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A Prova de Fogo do FGC: O Banco Master e o limite da segurança bancária no Brasil

  • Foto do escritor: Paulo Polli
    Paulo Polli
  • 19 de nov.
  • 3 min de leitura
Banco Mater

A falência do Banco Master não ocorre no vazio. Ela se insere em uma história longa, marcada por ondas de instabilidade que, cada uma à sua maneira, revelaram tanto a fragilidade quanto a capacidade de resposta do sistema financeiro brasileiro. A diferença, agora, é a escala. Se Bamerindus, Nacional, Econômico, Cruzeiro do Sul, Rural, BVA, BRK e tantos outros já haviam testado as fronteiras da segurança bancária, nenhum deles fez pressão tão concentrada sobre a engrenagem essencial desse mecanismo — o Fundo Garantidor de Créditos. É aqui que o caso Master se torna histórico: ele não coloca em xeque apenas um banco específico, mas o próprio modelo brasileiro de proteção, que depende não do Estado, mas da cooperação e da responsabilidade coletiva das instituições financeiras.


Para compreender a dimensão desse impacto, é preciso revisitar o caminho já percorrido. Nos anos 1990, a quebra de gigantes como Banco Nacional e Econômico obrigou o país a arquitetar mecanismos de estabilização, ao lado do recém-criado Proer. O FGC, ainda embrionário, operava como uma promessa: um pacto privado para proteger depositantes em um ambiente turbulento. Em 1997, a intervenção no Bamerindus inaugurou a primeira prova prática desse arranjo — e o fundo, mesmo limitado, cumpriu sua função. Depois, no início dos anos 2000, a queda do Banco Santos expôs outra camada do problema: a diferença entre produtos cobertos e não cobertos, mostrando que, em tempos de bonança, poucos se preocupam com a estrutura do risco; mas quando o vento vira, essa distinção decide o destino de milhares.


Nos anos 2010, as falências do Cruzeiro do Sul e do BVA introduziram um novo tipo de estresse: buracos contábeis disfarçados, carteiras infladas artificialmente, operações que apenas simulavam solidez. O FGC, mais experiente, respondeu com desembolsos expressivos, consolidados em processos relativamente rápidos. Mesmo assim, cada crise deixava um alerta: a liquidez do fundo não é infinita, e sua capacidade está intimamente ligada ao comportamento do próprio sistema que o financia.


Ao chegar na década de 2020, casos como Portocred e BRK já ocorrem em um cenário de maturidade operacional do FGC, com app, automatização e limites de garantia mais claros. Mas ainda eram episódios proporcionais ao fluxo normal do fundo — peças que balançavam a estrutura, mas não ameaçavam deslocá-la. O Master muda tudo. Pela primeira vez, a estimativa de pagamentos possíveis — dezenas de bilhões de reais — ultrapassa qualquer precedente conhecido. E aqui surge o ponto essencial: o FGC não dispõe, e nunca pretendeu dispor, de um “caixa” equivalente a esse montante. Seu patrimônio total, embora grande, não é composto por dinheiro parado, e sim por ativos distribuídos em títulos, investimentos e créditos de longo prazo. Sua liquidez imediata é uma fração disso. Portanto, o desafio não é apenas arcar com o valor, mas fazê-lo com fluidez, sem comprometer o equilíbrio do sistema que o sustenta.


A solução, como sempre foi na filosofia do FGC, envolve um conjunto articulado: a venda de ativos recuperados do próprio Master; o recebimento contínuo das contribuições mensais de todas as instituições participantes; a possibilidade de emissões de dívida e operações estruturadas; e, sobretudo, a manutenção da confiança recíproca entre os bancos — confiança de que o fundo pagará, e de que eles poderão continuar emprestando seu próprio oxigênio ao mecanismo quando necessário. É exatamente nesse ponto que o caso Master se torna um teste de natureza quase filosófica: ele examina se o modelo interbancário brasileiro consegue transformar solidariedade regulatória em capacidade concreta de pagar milhões de pequenos investidores, dentro de prazos aceitáveis, em meio a uma tempestade sem precedentes.


Assim, mais do que uma falência, o episódio representa um espelho. Ele reflete a caminhada do Brasil desde os anos 1990, revela a diferença entre patrimônio e liquidez, expõe a importância das engrenagens silenciosas que sustentam a estabilidade e imprime no imaginário coletivo uma pergunta inevitável: um sistema que sempre funcionou sob crises menores é capaz de funcionar sob a maior delas? Se a resposta for sim — e o FGC demonstrar organização, clareza e velocidade — o caso Master se tornará um marco de fortalecimento institucional. Mas, se tropeçar, não será apenas a reputação de um banco que ruirá, e sim a convicção sobre a própria solidez da garantia que protege o dinheiro de milhões de brasileiros.


No fim, o que esta crise revela é que confiança nunca é estática. Ela vive, respira e precisa ser continuamente comprovada. A falência do Master é a maior chance — e talvez o maior desafio — para o FGC mostrar ao país que a promessa de proteção pode sobreviver à realidade dos maiores choques. E, para quem estuda mercado financeiro, esse momento não é apenas observação; é aprendizado vivo, uma janela rara para enxergar, sem filtros, como realmente operam as estruturas que seguram o sistema quando tudo ao redor começa a cair.


Paulo Polli

Duas décadas de mercado imobiliário

CRECI PR 19555

CRECI SC 41607

PERITO AVALIADOR 45083

 

 
 
 

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