“O que (quase) ninguém conta sobre o mercado de Balneário Camboriú”
- Brand Commercial
- 5 de mai.
- 3 min de leitura
Por Paulo Polli – Perito Avaliador e Especialista em Mercado Imobiliário

O mercado imobiliário de Balneário Camboriú opera com uma lógica própria, muitas vezes distante dos manuais jurídicos, das boas práticas de intermediação e até dos fundamentos clássicos do urbanismo. Trata-se de um ecossistema que mistura alto poder aquisitivo, informalidade aceitável, status simbólico e uma rede privada de confiança que sustenta práticas que, em qualquer outro lugar, seriam vistas como temerárias.
A força do recurso próprio e a exclusão do sistema bancário
O ponto de partida é o volume expressivo de transações realizadas com recursos próprios. Compradores vêm de diversas regiões do Brasil — principalmente do agronegócio e da indústria do interior do Sul, Centro-Oeste e São Paulo — aportando capital à vista ou em curtos prazos diretamente com a construtora. Esse movimento gera independência do sistema financeiro tradicional, mas também abre margem para práticas fora do escopo regulatório formal.
Em muitos casos, a figura do financiamento é substituída por contratos de gaveta, cessões de direitos, promessas de compra e venda e boletos pulverizados em longos prazos (até 240 meses). O imóvel é entregue ao comprador antes mesmo do pagamento integral — algo impensável para o sistema bancário, que exige alienação fiduciária e garantias sólidas.
O descompasso entre prática de mercado e segurança jurídica
É aqui que surge a grande contradição: grande parte das construtoras não lavra a matrícula individual da unidade até que o pagamento esteja quitado, ou até que o empreendimento alcance viabilidade registral. Assim, vende-se um produto imobiliário de altíssimo valor agregado sem matrícula, sem garantia real, e muitas vezes com contratos frágeis do ponto de vista jurídico.
Do ponto de vista de quem atua como imobiliária ou corretor formal, sob supervisão do CRECI e como interveniente de boa-fé, essa realidade desafia os limites da responsabilidade. Como garantir a segurança de uma venda em que a posse é entregue, mas a propriedade não se consolida juridicamente? Como orientar o comprador dentro de um sistema em que a construtora opera como credora, incorporadora, banco e cartório ao mesmo tempo?
Fluxo de caixa privado e engenharia financeira “à moda local”
O que vemos em Balneário Camboriú é a engenharia financeira privada aplicada ao imobiliário de luxo. A construtora vende, capta recursos em longo prazo com compradores finais e usa o fluxo de recebíveis futuros para financiar a própria obra e novos empreendimentos. A matrícula é mantida como “garantia moral” — muitas vezes até o ciclo financeiro se completar.
Esse ciclo não seria possível em cidades com perfil bancarizado e público mais exigente. Mas em Balneário, há um pacto tácito entre investidores, compradores e construtoras: sabemos como funciona, e aceitamos os riscos porque todos ganham.
A camada bairrista e o mercado subterrâneo de confiança
Não se pode ignorar a presença de um mercado bairrista, operando por fora dos portais tradicionais. Corretores bem relacionados, engenheiros e advogados locais formam uma rede de oportunidades “de dentro”, onde imóveis são negociados por cessão de direito, sem matrícula, em terrenos em regularização ou em obras que sequer foram registradas como incorporação imobiliária.
Essa informalidade não é sinônimo de má-fé. Ela é parte da cultura local, onde a confiança interpessoal muitas vezes pesa mais do que um contrato com firma reconhecida.
Considerações finais
Do ponto de vista técnico e jurídico, Balneário Camboriú representa um mercado de alto risco disfarçado de alta sofisticação. A presença de arranha-céus, apartamentos de dezenas de milhões e obras faraônicas cria uma aura de solidez que esconde fragilidades estruturais, sobretudo para o comprador desavisado ou para o profissional que atua com rigidez técnica.
A verdade é que o mercado imobiliário de Balneário só funciona como funciona porque todos aceitam jogar com regras flexíveis — desde o comprador, passando pela construtora e chegando à prefeitura.
Como avaliador e profissional do mercado há quase duas décadas, vejo com admiração a capacidade de gerar valor num modelo tão autorreferente. Mas não posso deixar de fazer o alerta: é um mercado para quem sabe o que está fazendo — e, mesmo assim, deve manter os dois olhos abertos.
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